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Análise: Deus Ex: Mankind Divided

Em 2011, ‘Deus Ex: Human Revolution’ chegava em meio a muita expectativa para ressuscitar a série que definiu o cyberpunk no mundo dos games. O último jogo da série, ‘Deus Ex: Invisible War’, de 2003, havia tido uma recepção apenas morna dos fãs e, pelas dificuldades financeiras enfrentadas pela Eidos e a Ion Storm (desenvolvedora dos dois primeiros jogos), a franquia amargaria praticamente 8 anos de geladeira sem uma direção clara. Sob a tutela da Square Enix, o estúdio Eidos Montréal seria responsável com ‘Human Revolution’ a dar continuidade ao mundo de conspirações futurista de Deus Ex e o fez bem, mas com muito espaço para melhorar. Em ‘Deus Ex: Mankind Divided’, o estúdio teve a chance de aprimorar a experiência do jogo anterior, mais uma vez cercados de expectativa dos fãs do híbrido de RPG de ação com tiro em primeira pessoa. E nós já temos o nosso veredito.

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‘Deus Ex: Mankind Divided’ é uma sequência direta de ‘Deus Ex: Human Revolution’, mas dispensa jogar o anterior antes por possuir um vídeo opcional explicando a trama do jogo anterior em dinâmicos 12 minutos. O vídeo entrega todos os spoilers das missões primárias do game, então se você ainda não jogou mas planeja ter uma experiência “imaculada” de ‘Human Revolution’, é melhor optar por não assisti-lo. Se for esse o seu caso, está com sorte, pois apesar do personagem principal dos dois jogos ser o mesmo, praticamente todos os personagens, locais, organizações e tramas são novidades em ‘Mankind Divided’. Por outro lado, até os que jogaram ‘Human Revolution’ podem se beneficiar do vídeo para serem lembrados de detalhes confusos da história que é bastante complexa.

O mínimo necessário a saber de ‘Human Revolution’ é que a sociedade em 2025 estava absorvida no fenômeno do transumanismo – o aperfeiçoamento físico e mental do ser humano através do uso de tecnologia. Em um dado momento, entretanto, quase todos os “trans-humanos”, chamados de Augmented ou Augs (Aprimorados), foram afetados por uma espécie de vírus implantado em seus sistemas que os fizeram entrar em frenesi assassino, atacando violentamente todos a sua volta. Muitas vidas foram perdidas e o episódio, que ficou conhecido como “Aug Incident”, serviu para criar uma espécie de nova ordem, em que a ONU chega a redigir resoluções restringindo as liberdades de pessoas aprimoradas e da continuidade do processo de transumanismo. Em alguns lugares, pessoas aprimoradas são tratadas como uma sub-classe, com filas próprias, lojas que recusam-se a atendê-los e até mesmo um gueto destinado para elas. Parece claro que o jogo tenta fazer uma paralelo com a maneira como são encarados os imigrantes e outras classes menosprezadas hoje em dia, mas mais extrema, como uma espécie de apartheid trans-humano.

Essa analogia com o mundo real não parece ter agradado a todos, uma vez que o temor aos aprimorados seria justificado pelas atitudes violentas cometidas no passado, mas, pessoalmente, vejo o valor do que a Eidos estava tentando enquadrar aqui e acho que enriquece muito a experiência. Devemos lembrar que Deus Ex é uma distopia, e como tal tenta dialogar conosco e nosso zeitgeist de uma posição extrema da qual podemos nos distanciar. É isso que importa.

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Como dito, controlamos Adam Jensen, o mesmo protagonista do jogo anterior e ex-chefe de segurança de uma empresa de aprimoramento humano, com treinamento policial e de forças especiais. Em decorrência de uma ataque sofrido no jogo anterior, Jensen foi obrigado a ser aprimorado para sobreviver “I didn’t ask for this” e é francamente difícil encontrar uma parte dele que não seja recheada de transistores e aprimoramentos voltados para o combate. E isso o coloca como o único agente aprimorado da JF29, uma recém-inaugurada divisão antiterrorista da Interpol criada para combater atos terroristas envolvendo trans-humanos. Claro, a reação dos aprimorados a nova situação de preconceito e franca hostilidade dos chamados “naturais” (pessoas sem aprimoramentos) manifesta-se por meio do terrorismo global. Simultaneamente, Jensen também trabalha para a Juggernaut Collective, uma espécie de Anonymous liderada por um hacker conhecido apenas como Janus com o objetivo declarado de desmascarar conspirações envolvendo governos, grandes empresas e o Illuminati. Sim, é confuso, é grandioso e são muitos nomes e organizações secretas – então pode ter certeza de que se trata de um Deus Ex.

A trama se desenrola em um bom ritmo, toda ela em Praga, a capital da República Tcheca e provavelmente o lugar onde as relações entre aprimorados e naturais estão mais tensas. Enquanto Jensen faz suas missões para o JF29 e a Juggernaut, uma série de missões opcionais podem ser descobertas e concluídas na cidade de Praga – que é belíssima e muito maior do que qualquer outro local que a série já teve, diga-se. O jogador terá a oportunidade de visitar outros lugares como Londres durante a aventura, mas apenas durante certas missões. Fiquei um pouco desapontado ao saber que a única cidade realmente explorável era Praga, mas ela é tão bela e bem construída, com suas ruas e vielas, telhados e apartamentos, e até um esgoto na medida (o que deve parecer esquisito pra todo mundo que nunca jogou um Deus Ex), que acredito que ater-se somente a ela tenha sido uma decisão correta. As missões opcionais são, em sua maioria, excelentes, com desdobramentos surpreendentes e decisões que influenciam os próximos acontecimentos.

Um aviso, entretanto: sempre faça as missões opcionais antes das principais, pois a progressão da história faz com que muitas delas sejam perdidas.

A história principal é cativante, como um bom livro faz o leitor querer virar para a próxima página. E até contém um bom número de reviravoltas, mas não chega a surpreender como a série já fez no passado. Talvez seja o caso de ousar mais e ser um pouco menos refém do gameplay da próxima vez. Sobretudo, o final do jogo é escancaradamente voltado para preparar o campo para uma sequência, o que sempre deixa um gosto agridoce delicioso na boca. Se ‘Human Revolution’ era o “Uma Nova Esperança” para Deus Ex, então ‘Mankind Divided’ é o “O Império Contra-Ataca”, o que pode justificar o final cliffhanger. Torçamos agora para que a Eidos não leve mais 5 anos para desenvolver a inevitável sequência.

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Adam Jensen é, como Geralt of Rivia de Witcher ou o Comandante Sheppard de Mass Effect, um arquétipo com um personalidade apenas levemente definida mas aberto suficiente para interpretação dos jogadores. O cara é a definição de badass (durão), com aquele jaquetão de detetive e os óculos escuros literalmente acoplados na sua cara. Pessoalmente, gosto do personagem, que funciona muito bem na minha interpretação de cara durão, porém justo e com grande capacidade argumentativa. Sério, prestem atenção aos diálogos do cara e percebam que é uma aula de retórica. Se Adam não fosse um agente secreto, provavelmente se daria bem como advogado. E vale mencionar que as “batalhas conversadas” estão de volta, onde você deve convencer um interlocutor na base do gogó para receber algum tipo de benefício – algo que você faz analisando a personalidade e o comportamento do indivíduo. É também um momento especial onde os personagens não ficam travados às animações padronizadas dos outros diálogos, o que é sempre muito bem-vindo.

Um ponto onde o jogo introduz uma louvável melhoria ao que já vem sendo a sina da série desde sempre é a jogabilidade. Entre se esgueirar pelos cantos, usar suas habilidades ciborgues iradas e atirar, ‘Mankind Divided’ oferece a jogabilidade mais encorpada da série de longe. Tudo está mais fluido e menos travado que ‘Human Revolution’ (exceto, estranhamente, arrastar corpos, que usa o mesmo botão da ação “investigar”, o que pode resultar em momentos desastrados com Jensen fuçando os pertences de um “presunto” ao invés de desová-lo no canto da sala antes que seus amigos o vejam). Como no jogo anterior, as armas podem ser acessadas por um menu radial rápido (ou nos botões numéricos do teclado, no caso do PC, como em um MMO), que está mais enxuto e eficiente. E existe também um menu idêntico para as habilidades aprimoradas do personagem. Armas podem ser modificadas sem entrar no menu, bastando segurar um botão que fará Jensen olhar para a arma que esteja segurando e alterando componentes como mira e silenciadores e a troca do tipo de munição. A ideia era sim tornar o jogo mais dinâmico nesses aspectos.

Usar as habilidades de Jensen está ainda melhor, embora a barra de energia gasta com o uso de boa parte das habilidades esgote-se muito rapidamente e requeira a recarga com um item um tanto quanto raro. Por outro lado, um bom e cauteloso jogador não terá muitos problemas nas dificuldades mais altas se conseguir manter-se nas sombras, o que não torna a limitação de energia exatamente um problema. Entretanto, irrita saber que Jensen tem todo um arsenal super-divertido de usar, mas preso por amarras artificiais. Acredito que um sistema onde a energia não fosse um recurso esgotável, mas talvez que se regenerasse fosse uma opção mais interessante de design.

Quanto às novas habilidades de Jensen, temos algumas muito boas e outras nem tanto. Hackeamento à distância é praticamente obrigatório, sendo útil em quase todo tipo de situação, principalmente para jogadores que gostam de manter-se sempre nas sombras. Outras, por mais interessantes que sejam, como o P.E.P.S., dificilmente justificam os pontos gastos em sua aquisição, pois têm efeitos como neutralizar inimigos sem matá-los, o que já pode ser feito de mil outras maneiras diferentes. De qualquer forma, essas novas habilidades só devem ser adquiridas após muita consideração, pois ativá-las exige que você “esqueça” permanentemente alguma outra e escolher a certa pode não ser uma decisão tão clara.

A Eidos também foi safa o suficiente para não mexer em time que está ganhando. Explorar os níveis ainda pode ser feito de inúmeras maneiras diferentes: entrar pelos tubos de ventilação, arregaçar a parede dos fundos para entrar, “arrombar” (hackear, na verdade) a porta de serviço ou então convencer o guarda a deixá-lo entrar pela porta da frente são todas opções possíveis e irão ser influenciadas pelas habilidade escolhidas pelo jogador. Apesar disso, ou talvez justamente por isso, o jogo é ainda bastante fácil. Não me senti verdadeiramente desafiado em quase nenhum momento durante minha jogatina na maior dificuldade liberada (“Give me Deus Ex” – já que a maior de todas, brilhantemente chamada de “I never asked for this”, fica bloqueada durante sua primeira jornada pelo game), o que é desapontador para a série.

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Graficamente, Deus Ex é facilmente um dos mais belos jogos do ano. Talvez até demais, uma vez que isso se reflete em uma performance instável nos consoles, onde a taxa de quadros frequentemente cai para a casa dos vinte e poucos, e no PC onde muitos jogadores com boas configurações encontram dificuldades em manter o jogo com mais de 60 FPS. Aliás, nunca, em tempo algum, ative MSAA (exceto se você fizer SLI de duas GTX 1080, talvez), pois destruirá sua performance e qualquer chance de diversão. Um patch para habilitar o suporte ao DirectX 12 está a caminho, mas provavelmente não fará milagres. O jogo parece ser um pouco mal otimizado, assim como em ‘Human Revolution’, mas certamente não está quebrado, fora uma missão ou outra que deve ser consertada nas atualizações futuras. Já a trilha sonora é, em uma palavra, espetacular! ‘Human Revolution’ havia acertado em alguns pontos (principalmente ao remasterizar o tema da UNATCO, do primeiro jogo), mas ‘Mankind Divided’ tira leite de pedra e, usando os mesmos sons sintetizados que marcam a série, eleva o patamar com uma trilha eletrizante em vários momentos.

Como nem tudo é perfeito, Mankind Divided esteve cercado de polêmicas desde antes de seu lançamento com programas de DLC estranhos, que incluíam um sistema de incentivos que cresciam com o volume de pré-compras, no pior estilo crowdfunding. Sob forte pressão dos fãs, esse modelo de pré-lançamento foi descartado, mas ainda assim o jogo saiu com DLCs francamente vergonhosas. Como em um free to play, ‘Mankind Divided’ vem com diferentes pacotes de itens que, além de desequilibrarem o jogo pay to win, duram apenas até que o jogador morra. É isso mesmo, você é obrigado a recomprar o DLC caso encare a tela de ‘game over’ alguma vez. É difícil acreditar que algo assim tenha sido aprovado, e, francamente, merece todas as críticas negativas possíveis.

Apesar de estar em falta em alguns pontos, a nova obra da Eidos Montréal chega ao mercado como uma encarnação bastante melhorada de ‘Human Revolution’ e uma recomendação fortíssima para os fãs da série, bem como para os RPGistas fervorosos. Fãs de jogos de stealth também podem se interessar, embora o jogo não tenha a mesma dificuldade de outros do gênero. Já os que estão em busca apenas de um FPS devem “passar reto”, já que você passa tanto tempo explorando e conversando quanto atirando no game. De qualquer forma, há uma experiência e um universo muito ricos em ‘Deus Ex: Mankind Divided’, com uma imersão fantástica, capaz de pregar o jogador na cadeira ou sofá por horas a fio e, ao fim, convencê-lo a jogar tudo mais uma vez.

{{

game = [Deus Ex]

game = [Mankind Divided]

info = [Lançamento: 23/08/2016]

info = [Desenvolvedora: Eidos Montréal]

info = [Distribuidora: Square Enix]

plataformas = [Xbox One, PS4 e PC]

nota = [4/5]

decisão = [Altamente recomendado!!!]

texto = [O Blade Runner dos games]

texto = [está de volta]

positivo = [Jogabilidade refinada]

positivo = [Diálogos fantásticos]

positivo = [Belos gráficos e trilha sonora]

negativo = [Problemas de performance]

negativo = [Sistema de DLC abusivo]

negativo = []

}}

Pedro Nogueira

Formado em Administração e em GunZ: The Duel. Rei dos FPS e o Toretto dos jogos de corrida no site. O nerd/entusiasta do PC Master Race, responsável por análise de periféricos e hardware. Quebra um galho de streamer lá na twitch.tv/ultimaficha.

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